sexta-feira, 24 de setembro de 2010

EDUCAÇÃO INFANTIL E PAZ SOCIAL

O mundo desperta-se para a importância da educação infantil. No Brasil, a prioridade governamental dada  ao ensino fundamental, tornando-o universal, deixou a educação infantil em plano inferior. Hoje, percebe-se a necessidade de estender essa prioridade também à educação infantil.
Sob o prisma da aprendizagem, a educação infantil é suporte essencial. Os primeiros seis anos da vida são decisivos para desenvolver habilidades lógicas, musicais, emocionais, motoras e de convívio social. A educação infantil é determinante na aprendizagem. Sua ausência tem sido apontada como a grande responsável pela maioria das repetências, assinalada no ensino fundamental, acarretando ao governo um gasto bem maior do que se mantivesse educação infantil para todos.
A falta de atenção à primeira infância provoca malefícios que se refletem em toda a vida escolar do aluno, quando não em abandono da escola, pela dificuldade em acompanhar o ensino. Deixa o ser humano em defasagem para o resto da vida, causa prejuízo à sua vida social, profissional e, conseqüentemente, à vida do País.
Enquanto não se construir uma rede de assistência integral à infância, continuaremos a viver a desordem social. Após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que colocou a educação infantil como a primeira etapa da educação básica, começaram a surgir propostas para a reforma da educação, parecendo tomar vulto a que propõe a criação, em uma mesma comunidade, de unidades educacionais,  oferecendo vagas a todas as crianças,  desde o ano “zero” e mantendo um ensino de qualidade em todos os graus da educação básica: da creche ao ensino médio.
A educação infantil,  tendo deixado de ser prioridade, mostra o quanto a nossa educação falhou nos últimos anos. Ela era vista, apenas, como algo a mais e isso refletiu nas desigualdades educacionais e na pouca consideração que o professor desse grau de ensino passou a ter. Quanto mais baixa a série que lecionava, menos prestígio tinha.
O Censo do MEC revelou, no início da implantação da reforma,  a existência de uma educação infantil de baixa qualidade, com a maioria dos professores sem habilitação para lecionar. Preocupado com a  situação, o MEC lançou referenciais para a formação dos professores de  creche e pré-escola, lançou  os “Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Infantil”, na proposição de orientar o trabalho desse nível de ensino. Forneceu diretrizes para o credenciamento das escolas, com especificações a espaço, a recursos pedagógicos e outros.
A baixa qualidade da educação infantil confunde desenvolvimento infantil com sobrecargas de atividades pedagógicas e alfabetização precoce. Ela ainda é grandemente constituída por professores que não entendem a essência desse nível de ensino, que consiste em desenvolver habilidades, atitudes no tempo próprio da criança, no seu ritmo próprio, obedecendo as fases do seu desenvolvimento mental. Alunos há que requerem mais tempo para adquirir determinados conceitos e técnicas.
Os alunos aprendem mais e mais rapidamente quando o professor é um orientador sereno da aprendizagem, um comandante firme, afetivo.  Hoje, em plena era digital, a falta de conhecimento significa exclusão social e o Censo de 2001 nos mostrou que mais de dois milhões de crianças estão distantes dos livros, dos cadernos e os que estão em salas de aula recebem um ensino sem qualidade.
Estudos  pertinentes  citam  graves  conseqüências  da  ausência da


educação infantil. Referem-se a gastos humanos, sociais e políticos. Humanos, quando o aluno desprovido da educação infantil não alcança um ensino de nível. Perde a auto-estima, torna-se propenso à derrota. Sociais, quando despreparado, torna-se um freguês dos programas de renda mínima, cestas básicas, Febem. Político, quando o analfabetismo escolar leva ao analfabetismo político.
Descobriu-se  que  a educação infantil tem papel fundamental no desenvolvimento do comportamento social. Ela é vista não só como alicerce do desenvolvimento cognitivo, mas como alicerce da formação da personalidade, do caráter, da religiosidade. Formar a criança é prevenir o futuro. Dar-lhe valores morais, éticos, é preparar um futuro de paz, sem violência, formar uma sociedade melhor estruturada. Ademais, a criança, segundo recentes estudos, é o agente transformador da sociedade mais eficaz que se tem. O que ela aprende na escola leva à sua família, à sua comunidade, à sua cultura. A criança é um educador social de importância.
“Educa-se a criança para não chorar o adulto”. Essa verdade vem impregnando o entendimento educacional, tomando vulto na sociedade. Projetos comunitários voltados à recreação de crianças de favelas, candidatas à criminalidade, cresceram e são mostrados, pelos meios de comunicação, como exemplos a serem seguidos. Entidades, organizações, artistas, voluntários, abraçam a causa das crianças sem escolas, sem rumo, e vão aos locais de suas moradias ensinar-lhes dança, música, teatro, jogos esportivos, dar sentido às suas vidas.
Esses movimentos, em prol das crianças de rua, sensibilizam, deixam claro de que a maioria das crianças de favelas não tem futuro e se perde na promiscuidade. Essas crianças serão os bandidos de amanhã, bandidos a invadir as nossas casas, a matar, a roubar, e nós seremos os maiores atingidos. Então, se não formos tocados pelo triste espetáculo do abandono, que se descortina, que sejamos, ao menos, precavidos a nosso favor. Atender às crianças desamparadas é benefício que faremos a nós, às nossas famílias, à sociedade.
Um outro aspecto da função da escola é a passagem dos valores morais. A pedagogia nos ensina que justiça, solidariedade, tolerância, obediência às regras, respeito ao limite, são valores que se aprendem, como também se aprendem os antivalores: injustiça, crueldade, preconceito, egoísmo, desrespeito. A escola de educação infantil, especialmente, deve primar-se por formar moralmente as crianças. É nessa faixa de idade que se constrói o alicerce. Ultrapassada a fronteira da infância, em torno dos 12 ou 13 anos, fase da adolescência, a mudança de personalidade torna-se difícil.
Já começa haver a percepção da necessidade de se adequar políticas educacionais à realidade vivida pelas populações carentes. A percepção de que investir na primeira infância sai bem mais em conta que manter uma Febem. A percepção maior de que investir em oportunidades às crianças e aos jovens,  dando-lhes  vida  decente, garante o exercício da cidadania e leva a menos criminalidade. É como dizia Victor Hugo, já no século XIX: “Abre-se uma escola, fecha-se uma cadeia”
Chega-se, finalmente, à conclusão de que o mundo de paz depende de como a nação, a sociedade, vierem a tratar as suas crianças, de como investirão em planos de apoio às famílias carentes.



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